Sendo uma experiência boa ou má, existe sempre a oportunidade de crescimento!
O consulente estava a ter um comportamento estranho. Inusitadamente, parecia muito agitado os olhos moviam-se, ora para um lado ora para outro, debaixo da pálpebras. A sua respiração estava ofegante, quando ele cerrou os punhos intui que algo de dramático estava a acontecer. – É o meu fim! -, Exclamou num esgar. – Resta-me apenas rezar para que isto acabe rápido. Acabou por dizer resignado à sua sorte. Naquele instante voltou os olhos semi-cerrados para o céu, como que pedindo ajuda, e inspirou fundo. Referiu que o sol brilhante estava na sua máxima força, escaldando tudo em redor, enquanto baforadas ondulantes de ar quente emergiam na areia dificultando a respiração. Sem forças, deixou-se cair no chão poeirento, fragilizado pelas mazelas infligidas no cárcere. Naquele instante o corpo estremeceu, ao ouvir o chicote estalar de encontro à sua carne dilacerada. Prostrado e de joelhos ensanguentados, fez um derradeiro esforço, levantou a cabeça e fitou os olhos naquela imensa multidão enraivecida e que desejava a sua morte. Ao lado o seu verdugo exibia uma espada curva que refulgia ao sol. A turbe enfurecida insultavam-no e cuspiam aos gritos de “morte ao infiel”. Estava arrasado, e sentia-se impotente. – É o meu fim, – anui ele num esgar. – Vou morrer! Apesar do desânimo, estranhamente sentia-se aliviado, pois sabia que ao morrer podia abandonar a sua desgraçada existência. Joseph, era o seu nome naquela vida passada, começou a murmurar baixinho: «Meu Deus… estou tão arrependido… perdoa este teu servo pelos seus pecados…»
De repente a massa humana parou com os insultos e calou-se. Num gesto autoritário o seu executor levantou a mão, pedindo silêncio à multidão. Seguidamente segurou o punho do cutelo envolto em couro com a duas mãos, fazendo-o subir cerimoniosamente no ar. O silêncio incómodo era apenas quebrado pelo murmurar baixinho do condenado em oração. De repente, um sibilar agudo da lâmina afiada de duro aço cortou o ar e, num único golpe, a cabeça do infeliz tombou exangue, deixando atrás de si um rasto gorgolejante de sangue, enquanto rolava no chão poeirento. A multidão explodia de euforia emitindo um som estridentemente. Ululante gritavam “Allahu Akba” (Alá é grande). O consulente tinha razão. Acabava ali e de forma tão brutal, aquela vida verdadeiramente miserável, repleta de raiva, ódio e de vingança.
Naquele exato momento tornou-se bem claro para mim porque o meu consulente tinha medo de espaços abertos e repleto público. Inconsciente, e por um processo de associação, inegavelmente evocava aquela experiência mal resolvida do seu passado longínquo. Ele estava a viver no presente o drama daquela vida passada. Um fragmento, ou resquício daquela experiência pregressa, manifestava-se dramaticamente no presente evocando as sensações de desconforto, medo, inquietude e morte. Realmente, minutos antes, nenhum de nós tinha previsto este desfecho!
Uma hora atrás José Carlos, um professor de educação física de 47 anos, entrara-me no meu consultório, para fazer um setting hipnótico. José acreditava que a hipnose de regressão seria a sua última tentativa de solucionar o seu drama. E qual era o seu maior problema? Sofria de perturbação de ansiedade com crises de pânico constantes. Naquela altura reparei nos sinais evidentes do seu nervosismo, esfregava as mãos com inquietude e os seus olhos perscrutavam o escritório em redor, como se procurasse uma saída para uma fuga de emergência. O diagnóstico do médico psiquiatra que acompanhava a sua doença era o de Perturbação de Pânico com Agorafobia. Efetivamente, a ansiedade dele era por demais evidente e o seu maior receio era, na realidade, estar em espaços amplos cheio de pessoas.
A PPA não é um caso singular. Nas nossas sociedades, que vivem a vida a um ritmo alucinante, há cada vez mais pessoas que sofrem destes distúrbios monossintomáticos. Ao stresse a que nos obrigamos com multitarefas, a sensação de impotência perante situações como perda de emprego, divórcio, morte familiar ou até um simples incidente leva-nos a subsequentes crises de pânico.
Quem já passou por uma crise de pânico conhece muito bem os sintomas: de repente o coração começa a bater a toda a velocidade; surge o medo intenso de morte iminente; as pernas e as mãos tremem desmesuradamente; existe o medo de enlouquecer ou perder o controlo; a pessoa transpira por todos os poros; há uma sensação de desmaio e falta de ar. Em geral são estes os principais sintomas associados referentes a uma crise de pânico.
– Ninguém faz ideia do que eu sofro – dizia-me o consulente, enquanto me contava o seu último episódio de pânico. A última crise de pânico acontecera uns dias antes, quando tentava fazer compras num conhecido shopping na cidade de Lisboa. – Eu estava rodeado de tanta gente agitada, com pressa, que fiquei aflito. Pensei, eu tenho que fugir daqui – explicava-me ele. – A intensidade das emoções sentidas era tão violenta que tinha a nítida sensação de que iria morrer de enfarte, se permanecesse mais tempo. Era como se o meu cérebro dissesse: vais morrer, foge daqui imediatamente!
Eu ia tomando notas enquanto escutava a narrativa dele, mas a minha visão periférica retinha as manifestações de ansiedade do consulente. Realmente, é desta forma que a maioria das pessoas descrevem um ataque de pânico. Em termos neurofisiológicos, quando uma pessoa está perante uma crise de pânico, as funções cognitivas são enfraquecidas pela descarga de adrenalina no sangue. Os níveis de ansiedade sobem e cria uma tensão no seu corpo. Imediatamente é gerado um impulso elétrico nas sinapses dos neurónios, com um potencial de ação demasiado alto. Este distúrbio desorienta a libertação das moléculas aminopressoras que anulam o excesso de noradrenalina na fenda sináptica, provocando uma resposta disfuncional. Neste distúrbio, ocorre um envio errado das mensagens do neurónio anterior para o seguinte, gerando um potencial de ação exagerado perante a situação presenciada no exterior. Em milésimos de segundos inicia-se uma resposta em cascata das células nervosas, que encaram aquela mensagem deturpada como estamos em guerra, preparem-se para fuga ou luta. A resposta do outro neurónio, e assim sucessivamente, agindo em cadeia, é atender ao estado de «guerra». Aliás, este tipo de sinapses funciona como um mecanismo de sobrevivência primário, e é comum a todas as espécies. Podemos dizer que disparou o instinto de sobrevivência e este mobiliza todo o nosso organismo para a ação. Mas neste caso, aparentemente, não há ao certo uma ameaça no exterior e a pessoas fica confusa. E, no entanto, como a fenda sináptica está repleta de noradrenalina, a homeostasia interna estimula o sistema endócrino e rapidamente as supra-renais iniciam o incremento de adrenalina no sangue. De súbito, a pessoa sente os tremendos efeitos de uma descarga de adrenalina na corrente sanguínea: o coração começa a palpitar desmesuradamente, taquicardia, sudorese, tremores, tonturas e sensação de desmaio, dor de barriga e vontade de vomitar, bem como medo de morte iminente são as respostas mais comuns nesta situação. Por mais que a pessoa não entenda a razão de tal estado de alarme, enquanto se mantiver a capacidade de raciocínio «desligada», pelo instinto de sobrevivência, ela será incapaz de organizar uma resposta coerente a situações expostas, tais como: estar no meio da multidão; espaços fechados; andar de carro; elevadores, etc. Na realidade a perturbação de pânico não é mais do que uma síndrome de pensamento acelerado. Quer dizer, a pessoa tenta controlar o máximo para sentir o mínimo. Eu compreendia muito bem a síndrome de pânico ele precisava obviamente de ajuda.
Eu iniciara aquela sessão com a técnica de hipnoanálise (hipnose de regressão). Quando o consulente atingiu um transe profundo, através da Técnica Ponte Emocional, rapidamente começou a recordar uma vida pregressa. Em transe o consulente descreveu-se como um homem na casa dos 30 anos que viveu na Idade Média. Era uma pessoa influente e com algum poder, herdado da sua linhagem nobre. Decidiu partir com um punhado de homens para a Terra Santa. Fez parte dos primeiros cruzados contra os infiéis. E, no entanto, faltava a este homem a compaixão, o amor ao próximo e a humildade. José Carlos descreveu-o como um déspota. Exigia muito dos seus homens, mas também de si. Naquela vida, não se permitia falhar. Considerava a piedade e o amor uma fraqueza e exigia obediência cega dos seus homens. Os seus treinos, de práticas guerreiras, eram brutais. A sua crueldade e os métodos violentos de luta eram sobejamente conhecidos. As populações árabes temiam-no e odiavam-no. Infelizmente acabou por ser aprisionado e metido num calabouço escuro. Ele e mais alguns cristãos capturados eram torturado diariamente, para gaudio da população. Por fim, quando já não tinha força para reagir às torturas dos seus algozes, foi morto. Decapitado numa praça poeirenta repleta de gente.
Momentos antes da sua decapitação foi colocado de joelhos, no chão pedregoso e quente. Fraco e mergulhado na sua dor, naquele instante compreendeu que o ódio e a revolta do passado o tinham levado a escolher aquela vida. Pensava que, se fosse forte e cruel, jamais alguém lhe faria mal. Como estava enganado! Compreendeu que a revolta leva ao ódio e gera mais ódio ainda. Comportamento gera comportamento, ouvi-o a murmurar baixinho, quando se preparava para morrer. Naquele momento o consulente viu-se a flutuar sobre o seu corpo afastando-se daquela cena, vividas centenas de anos atrás.
– Agora compreendo, dizia com a voz embargada pela emoção. – Não se combate revolta com mais ódio. Só o amor pode vencer o ódio. De certa forma energeticamente ele ainda estava preso naquela dor, culpa e opressão. – É engraçado -, dizia – é como na vida atual ainda fosse capaz de sentir o medo e a culpa pelo sucedido. Mas agora estou livre sinto que me posso libertar destas amarras. Aquela sessão tinha sido muito proveitosa e absolutamente libertadora. A sua cura tinha-se iniciado com a compreensão daquela dramática vida como cruzado, na idade média.
O ponto de partida para a hipnose de regressão é precisamente o facto de existir dentro de cada um de nós um mecanismo de imprint, que guarda as experiências traumáticas numa espécie de gravação multissensorial. Aquilo que comummente se chama de trauma emocional não é mais do que uma informação bloqueada no sistema nervoso por uma experiência eventualmente traumática e que carece de libertação. Jamais devíamos negar as nossas experiências passadas, porque nas costas do passado eu vejo melhor o futuro. Todas as pessoas que procuraram enfrentar a verdade para os seus problemas, e recordaram memórias distantes através da regressão, experimentaram invariavelmente uma diminuição efetiva, se não mesmo um desaparecimento total, dos sintomas crónicos que os afligiam. Importa passar esta mensagem libertadora, somos o somatório de várias experiências vividas no passado. Algumas desagradáveis onde falhamos ou perdemos alguma coisa, mas outras incrivelmente ricas e que nos fortaleceram. Importa perceber que na caminhada pela vida, por vezes, perdemos e vencemos no passado. Também nos rimos e choramos, mas os erros, o fracasso a derrota e a vitória fazem parte de uma vida equilibrada. Tenho para mim que, não faz sentido algum ser completo do lado de fora se estamos destruídos do lado de dentro.
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