Há coisas que a ciência não explica, mas o amor materno sim.
A psicologia refere que os primeiros anos de vida de uma criança são preponderantes na formação do traço de personalidade do futuro adulto. Se é verdade que o fator genético pode definir parte da personalidade, sabemos que grande parte dos problemas originários com as crianças nos diversos estágios da infância, nomeadamente os défices de atenção hiperatividade, comportamentos anti-sociais, desmotivação escolar e outros, derivam predominantemente de fatores sociais. E sabemos que o ambiente saudável e equilibrado na família nuclear é da máxima importância para a estabilidade emocional e a formação de uma estrutura psicológica sólida da criança.
Mas o que dizer das experiências anteriores ao nascimento? Será que aqueles sentimentos primários, com que todos nascemos, como o desejo de pertença, ser desejado, valorizado e amado são fundamentais para o equilíbrio futuro dos nossos jovens? Vale a pena refletir sobre a história verdadeira, e que descreve o drama de uma mãe desesperada, que recorre à hipnose de regressão para reatar a relação com o seu amado filho.
Aquela quarta-feira a chuva caía cadenciada e fria, estava um dia chuvoso, húmido, triste. Olhei o relógio, os ponteiros marcavam 14h05, acabado de me instalar na poltrona do meu consultório, de relance olhei para ficha em cima da secretária. O nome do meu novo consulente encabeçava o dossier, Pedro Alexandre, 14 anos de idade. Instintivamente, procurei saber, qual o seu problema? Irritabilidade, défice de atenção, desmotivação escolar e comportamentos anti-sociais. Hum!… Pensei. Este é um problema muito atual e que afeta várias famílias. Efetivamente, os mais recentes estudos apontam que as alterações verificadas nos padrões e hábitos dos jovens se comunicarem na família, estão cada vez mais distantes e deficitárias. Os pais ficam desorientados e incapazes de comunicarem com os seus filhos. Cada vez mais esta comunicação se parece com um diálogo de surdos e remetem para questões ligadas a stresse familiar, à falta de tempo e até os novos meios tecnológicos de comunicar, que a maioria dos jovens adotam, e que os pais têm alguma dificuldade em acompanhar ou monitorizar. Obviamente, torna-se difícil passar os valores entre gerações e, este vazio e falta de referências nos nossos filhos, traduz-se num aumento das queixas na escola relativas a sonolência, cansaço durante o dia, falta de motivação e alterações comportamentais, nomeadamente em horário escolar. É muito usual ouvirmos dizer: “O meu filho é desligado de tudo…”; “O meu filho não estuda e não tem iniciativa para nada, só dorme…”; “O meu filho não quer estudar nem trabalhar…”. E o mais comum é os pais, sobretudo as mães, pensarem que o problema esteja no filho, ignorando que o comportamento dele é consequência de algo que está errado, e não a causa. Se um filho se comporta dessa forma, seguramente existe motivo e causas para ele agir assim. E essas causas podem ser descobertas e ultrapassados com o recurso à hipnose clínica e hipnoanálise.
Despertei do meu devaneio quando um jovem alto entrou no gabinete e, sem delongas, afundou-se na poltrona diante de mim. Ao contrário, delicadamente a sua mãe posicionou-se direita na cadeira ao lado. Pedro não disse uma palavra, apenas olhou distraidamente mirando os quadros no consultório, mas a sua mãe tomou a palavras e debitou um rol de queixas que ia desde o baixo rendimento escolar, falta de motivação e mau comportamento do seu filho. A verborreia da progenitora era ansiosa, aflitiva e demonstrava a necessidade urgente de alguma ajuda, mas sobretudo orientação para estabelecer limites e saber como lidar com o filho.
– O meu filho é muito bom e é um rapaz dócil. Mas, de vez em quando, torna-se agressivo para mim e para os professores. – Explicava a mãe do Pedro sem deixar o seu rebento pronunciar-se sobre as acusações. – E quando é contrariado fica violento, um dia chegou a agredir-me fisicamente. O pai dele, quer dizer, o meu marido não é pai biológico – já que quando tive o meu Pedro era mãe solteira -, mas o meu marido adotou-o e gosta dele como se um filho seu fosse. Percebi que ficou emocionada ao referir este facto, ela parou de falar por momentos, enquanto com as costas da mão enxaguava uma lágrima que despontou no canto do seu olho direito.
Tentei ler os olhos da senhora, visivelmente emocionada, as pupilas dilatadas e distantes, seguramente com os pensamentos perdidos em recordações longínquas. – Bem, adiante! – Naquele momento ela pareceu despertar do seu breve devaneio e continuou –, como ia dizendo, o pai não tem mão nele, nem se importa. Faz-lhe todas as vontades. Como se não bastasse o rendimento na escola baixou, e tenho queixas de que é agressivo para os professores e colegas. Em suma, o meu filho passa a vida nos computadores e deita-se quase sempre tarde, para estar ligado na net, nos jogos e redes sociais. E quando é contrariado fica agressivo comigo.
Olhei para a expressão do Pedro, tentando adivinhar a sua reação perante as acusações da mãe, apenas encolhia os ombros como corroborando o que a sua progenitora dizia.
Respondi que certamente ele não desejava agredi-la, mas que, de alguma forma, ele precisava encontrar estabilidade emocional e que talvez precisa-se de mais tempo e atenção com os pais. Naturalmente necessitava de mais apoio e orientação na promoção e instalação de estilos de vida em família. Aprender a negociar, estabelecer regras e instituir hábitos e horários do sono mais saudáveis e naturalmente compatíveis com os horários da escola. Mas sobretudo, sugeri aquela mãe, que devia aprender a comunicar melhor com o seu filho, para que ele se sinta amado e protegido inclusive pelo seu pai adotivo.
Uma coisa eu não percebo! – Exclamou a mãe – Depois que ele nasceu eu dei-lhe todo o carinho possível, mas ele rejeita. Mesmo quando era criança o Pedro teve sempre episódios em que foi agressivo para mim. Parecia gostar mais do meu marido, que não é o verdadeiro pai. Por vezes, chorava muito no meu colo, só se acalmando quando o meu marido o segurava. – Como explicar isto doutor alberto? Ouvi o lamento daquela mãe, e limitei-me a esboçar um sorriso. Fiz-lhe sinal para sairmos os dois do consultório, pois já tinha ouvido o suficiente.
Com o pretexto que ia levar a sua mãe até à receção e seguro que o Pedro não nos ouvia, perguntei-lhe:
– Diga-me, por favor, sei que teve o seu primeiro filho ainda solteira, certo? Ela anui que sim com a cabeça. – Disse-me também que ele fui um filho muito amado, desde que nasceu. Mas ao saber que estava grávida dele, a senhora ficou alegre? Deu pulos de alegria? Ligou feliz para o seu pai, mãe e irmãos, querendo transmitir-lhe a notícia da gravidez?
O rosto dela roborizou, e olhou-me com os olhos rasos de lágrimas, como que envergonhada daquilo que ia dizer. Ofereci-lhe um lenço para que enxugasse as lágrimas que rolaram pela face ensopando a blusa.
– Tenho vergonha de dizer isto, mas no momento da gravidez eu rejeitei o meu menino. Aliás, fiz de tudo para abortá-lo. O pai dele era comprometido com outra pessoa e ameaçou terminar o namoro dizendo que não reconhecia a paternidade. Sabe, eu era ainda muito jovem, estava assustada e confesso que fiz várias tentativas para abortar do Pedro. Mas felizmente que não consegui. E depois que ele nasceu, tentei dar-lhe todo o amor e carinho que uma mãe pode dar.
Respondi-lhe que estava tudo bem, mas que a mágoa e revolta que ele nutria por ela podia ter surgido na experiência in-útero. Expliquei-lhe que a educação de uma criança não começa após o seu nascimento, mas no período em que está na barriga da mãe. Todas as emoções, os pensamentos, os sentimentos da mãe, mas também do pai, são captados pela criança que está na sua barriga. A discriminação e a rejeição na gravidez são as duas faces da mesma moeda, ambas magoam muito a futura criança que vai nascer. Deixando marcas que vão incompatibilizar os relacionamentos parentais futuros.
– Atenção há minha voz…- Disse em tom seguro e assertivo ao consulente já hipnotizado. Eu vou contar de um a três e, aos três, a sua mente profunda vai recuar no tempo. Recuar até ao momento anterior ao seu nascimento. E depois de algum tempo, pode-se sentir dentro do ventre materno, ouvindo e sentindo novamente como se estivesse lá.
Quando cheguei a três, o corpo do Pedro começou a encolher-se na cadeira, assumindo rapidamente a posição fetal. Por momentos ficou silencioso, com as mãos juntas coladas no rosto. A imagem era de um bebé no ventre materno. A sua respiração era profunda, e parecia estar a examinar onde estava. De repente ele começou a ofegar, voz de criança e parecendo inquieto.
– Sou pequenino e estou no útero da minha mãe. – Acabou por dizer.
– Como se sente ai nesse lugar prazeroso? – Quis saber.
– Estou triste e assustado. Sinto o meu coração apertado e a bater de forma irregular. Sinto que eles não me querem.– Arfou lamuriento.
– Quem são eles? – Quis saber.
– Os meus pais… – Disse tristemente. – Estão a discutir e a gritar sobre mim, sobre o meu futuro. Eu quero sair daqui, eu não sou bem-vindo, eles não gostam de mim.
– O que eles estão a dizer sobre si? – Inquiri.
– Sinto que a minha mãe está a chorar muito. O meu pai é cruel. Não! Não digas isso há minha mãe! – Gritou naquele momento cerrando os dentes com raiva chorando compulsivamente. Olhei-o com pena, agora soluçava baixinho, enquanto sugava o dedo polegar como um bebé que instintivamente procura algum consolo.
– Porque diz que o seu pai é cruel? Insisti depois de o ver mais calmo.
– O meu pai não gosta de mim. Ele diz coisas horríveis há minha mãe. – Hesitou uns segundos como se procurasse palavras para me responder. – O meu pai grita com ela e diz-lhe: – Tu vais ter de abortar. Esse bastardo eu não quero! Ele chama-me bastardo!
Engoli em seco recostando-me na cadeira, a minha voz humedeceu de tristeza. Agora percebia muito bem a revolta e o sofrimento daquela criança no presente. Pense nisto! Como reagiríamos nós, se ao chegar a casa de alguém e com o coração cheio de saudades, a pessoa que nós escolhemos visitar com amor e carinho, olhasse-nos nos olhos e, cruelmente, diz-nos: és uma bastardo não te quero na minha casa? Que choque, não é verdade? Eu penso que ninguém ficaria indiferente a esta rejeição. Ali estava a ferida psicológica que estava a ser vivida no presente em forma de revolta.
– Avance no tempo -,sugerir-lhe entretanto. Recorde agora um momento em que está a sós com a sua mãe: um…; dois…; três… Como se sente agora? – Perguntei.
– Estou sozinho com a minha mãe. Respondeu-me. Ela já chorou muito e está confusa. Sinto as suas mãos pousadas em cima da barriga.
– Muito bem, fale com ela agora. Sugerir-lhe.
– Eu recostei-me junto à parede da barriga, tenho a minha mão junto com as dela. Escuto-a a pedir-me perdão pelo sucedido.
– Ótimo! Diga-lhe mentalmente que a escolheu como mãe, porque ela é especial. Transmita-lhe para ignorar o que o seu pai disse. Que não há problema pelo sucedido e que ela tem forças para lutar por si. Que fazem uma boa equipa e que ainda serão muito felizes no futuro. E você sabe do que fala, pois há uma parte sua que veio do futuro e que quer fazer as pazes com ela no passado. Dei-lhes estas e outras instruções com brandura.
– A minha mãe agora está sorrir! Exclamou, visivelmente mais solto e tranquilo. – Também ela sofreu e foi vítima das palavras do meu pai. Percebo agora, que a minha mãe me ama. Apenas desejava casar, ter filhos e ser feliz. O meu pai tirou-lhe isso, mas vou fazer com que isso seja uma realidade no presente.
Após alguns minutos, Pedro acabou por abandonar a posição fetal, soltou os braços e as pernas, numa atitude notável e simbólica de compreensão e crescimento interior e começou a espreguiçar-se.
Olhei para o seu rosto sereno, a sua respiração era agora tranquila e pausada. O seu semblante denunciava um despertar incrível de amor e intimidade maternal. Através da mente devidamente hipnotizada um segredo tão profundamente guardado, e que impedia mãe e filho de serem felizes no presente, foi finalmente partilhado comigo e a sua energia negativa libertada através de uma intensa e produtiva sessão de hipnose de regressão. Inegavelmente a cura do bloqueio emocional tinha-se iniciado naquele momento. Por vezes, basta a tomada de consciência do acontecimento passado, para o consulente atingir o equilíbrio emocional e, por conseguinte, a cura e a paz interior naturalmente irá acontecer de seguida.
Assim, decidi despertar o consulente do transe. Intui que ele agora estava livre para comunicar e relacionar-se de uma forma nova e maravilhosa com a sua mãe.
Somos o somatório de várias experiências vividas no passado. Por vezes, há momentos difíceis de ultrapassar na infância, outras vezes no nascimento, mas também trazemos algumas marcas da nossa vivência intra-uterina. Em psicologia defendemos que a ideia que uma mãe faz da criança que concebe dentro de si é muito importante. Os pensamentos da mãe, o seu amor por esse ser ainda não nascido ou a sua rejeição como também a sua ambivalência, determinam o íntimo, a grandeza e a capacidade emocional desta futura criança. As suas experiências, sentimentos e emoções vividas durante a maternidade, determinarão a imagem que esta criança formará pouco a pouco de si, do mundo e das relações que irá ter com os pais.
Não tenhamos dúvidas de que a forma como somos recebidos, na nossa primeira casa – o útero materno – é absolutamente fundamental para a paz interior e relações parentais mais produtivas e saudáveis numa convivência encantada.
por: Alberto Lopes
Os nomes citados neste artigo foram alterados de forma a proteger a privacidade dos intervenientes.
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