Entrevista para a revista vogue

1. O que é que distingue alguém viciado nos jogos da sorte de um viciado no Casino, por exemplo? Além da questão dos montantes em jogo?

Resposta: Existe uma destrinça entre os dois, mas uma das principais diferenças entre um viciado em jogos de azar e um viciado em casinos é a disponibilidade e acessibilidade aos jogos. Atente-se que os jogos de azar como a velha raspadinha estão amplamente disponíveis, socialmente aceites e a maioria das vezes são legalmente permitidos em todo o mundo, enquanto casinos são menos comuns e muitas vezes são restritos a áreas específicas. Além disso, o investimento de baixa monta e a banalização social dos jogos de azar, como é o caso das raspadinhas, podem contribuir para a popularidade desse tipo de jogo, enquanto o jogo em casinos normalmente envolve montantes maiores e pode ser mais controlado, com pessoas se interditando a si mesmas e o controle estando mais nas mãos do cassino. No entanto, ambas as formas de jogo podem ser altamente viciantes e levar a problemas pessoais, financeiros e sociais. É comum que os próprios jogadores não reconheçam que têm um problema e não busquem ajuda, o que torna o combate ao jogo patológico ainda mais difícil.

2. Qual é o perfil de alguém viciado em jogos da sorte, como é o caso das raspadinhas? 

Resposta: O perfil de alguém viciado em jogos da sorte pode variar amplamente dependendo do tipo de jogo e da pessoa em questão, mas geralmente envolve comportamentos repetitivos de jogo apesar das consequências negativas, perda de controle sobre a quantidade de tempo e dinheiro gastos em jogos, e a persistência em jogar mesmo quando há tentativas de parar ou reduzir o comportamento. No caso específico das raspadinhas, de acordo com o estudo divulgado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), o perfil epidemiológico do jogador de raspadinhas é predominantemente composto por mulheres entre os 35 e 54 anos de idade, com rendimentos mensais entre 500 e mil euros, ou seja, pessoas de mais baixos rendimentos. O resultado deste estudo também indica que a raspadinha é um dos jogos de maior sucesso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), com receitas brutas na ordem de 1718 milhões de euros, resultados de 2019. O facto de a raspadinha ser um jogo mais acessível e fácil de jogar pode explicar a sua popularidade entre um perfil mais ligado ao digital e ao scratching. No entanto, é importante ressaltar que o vício em jogos de azar pode afetar pessoas de diferentes idades, gêneros e níveis socioeconômicos, e que essas informações são apenas uma tendência observada a partir deste estudo em específico.

3. Quando é que uma pessoa passa a ser considerada uma adicta deste tipo de jogos? Por exemplo, alguém que compra uma raspadinha por semana não deverá ser vista como tal, certo? Terá de ver, como todas as adições, com o comportamento descontrolado?

Resposta: A definição de adição a jogos de azar pode variar, mas em geral envolve um comportamento descontrolado em relação ao jogo, levando a problemas pessoais, financeiros e sociais. Alguém que compra uma raspadinha ou joga uma vez por semana não pode ser considerado automaticamente um adicto, mas se esse comportamento começar a interferir em outras áreas da vida, como trabalho ou relacionamentos, pode ser um sinal de alerta. O comportamento descontrolado em relação aos jogos de azar pode ter consequências graves, afetando negativamente a vida pessoal, familiar, profissional e financeira da pessoa afetada. Por isso, é importante estar atento aos sinais de comportamento aditivo em relação aos jogos de azar e procurar ajuda especializada se necessário.  O mais importante é a pessoa estar consciente dos riscos envolvidos – infelizmente nem sempre isso acontece e é um familiar que alerta. Seja de uma forma ou de outra deve-se buscar ajuda se sentir que o jogo está  a se tornar um problema para si e para a família.

4. Alguém que não tenha qualquer tendência para adições — álcool, drogas, sexo, compras, casino — pode tornar-se alguém dependente de jogos da sorte? 

Resposta: Sim, qualquer pessoa, independentemente de ter tendência para outras formas de adição, pode desenvolver um comportamento aditivo em relação aos jogos de azar. O vício em jogos de azar é uma forma de dependência comportamental que pode afetar qualquer pessoa, independentemente do seu género, idade, formação ou condição socioeconómica. O fato de uma pessoa não ter tendência para outras formas de adição não significa que esteja imune a desenvolver um comportamento aditivo em relação aos jogos de azar.

5. Ainda que o universo das adições que menciono acima seja bastante diferente do vício dos jogos da sorte, as consequências são semelhantes? Quais são estas?

Resposta: Existem similitudes. Mas muitas vezes, as pessoas com problemas financeiros derivado ao vício dos jogos da sorte, não percebem a gravidade de sua situação. Algumas pessoas têm consciência do problema desde o início, mas muitas não reconhecem a gravidade das suas dívidas e gastos excessivos. É comum que elas só busquem ajuda terapêutica quando a situação já está demasiado crítica e/ou a afetar outras pessoas, como familiares. Aqueles que sofrem de distorções cognitivas relacionadas ao jogo, por exemplo, podem acreditar que têm mais controle do que realmente têm e que podem parar a qualquer momento, mas isso é falso e faz parte da dinâmica de falsas percepções cognitivas. Sobretudo, é realmente importante que os familiares estejam atentos aos sinais e busquem ajuda profissional o mais cedo possível para evitar que a situação se descontrole.

6. Por que é que o fenómeno das raspadinhas tomou tamanhas proporções, sendo um jogo, aparentemente, tão inocente?  

Resposta: Não existe uma resposta concreta para esta questão que tem ganho uma dimensão de algum alarme,  nos meios de comunicação, em Portugal. A maioria dos especialistas são unânimes em dizer que o fenômeno das raspadinhas tomou tamanhas proporções por vários motivos. Primeiro, a distorção cognitiva que os jogadores patológicos têm em relação à probabilidade de ganhar. Eles acreditam que a chance de ganhar é muito maior do que a realidade, o que leva a uma adesão maior ao jogo. Além disso, o fato de que o jogo está tão difundido e existem tantos pontos de venda facilita ainda mais a sua adesão. Outro fator importante é a recompensa imediata que as raspadinhas oferecem. Ao contrário de jogos como o Euromilhões ou a Lotaria, em que os jogadores têm que esperar um tempo para saber se ganharam ou não, as raspadinhas fornecem uma recompensa instantânea. Isso pode aumentar a atração pelo jogo e levá-lo a ser visto como uma forma de diversão inofensiva. Além disso, a aceitação social do jogo também é um fator importante. As raspadinhas são frequentemente vistas como um jogo divertido e até mesmo oferecido como presente. A mídia também desempenha um papel, com histórias de pessoas que ganharam grandes prêmios com uma pequena aposta, o que pode levar as pessoas a acreditar que também podem ganhar. Em resumo, a combinação desses fatores contribui para a popularidade das raspadinhas e pode explicar por que elas são vistas como um jogo aparentemente inocente.

7. Qual o papel do psicólogo no auxílio destas personalidades aditivas? Qual o tratamento mais eficaz?  

Resposta: O papel do psicólogo é fundamental e pode oferecer uma abordagem terapêutica que visa identificar as causas subjacentes do problema, ajudando o paciente a compreender o seu comportamento e a desenvolver habilidades para lidar com as situações de risco de forma mais saudável e funcional. Além disso, o psicólogo ensina a desenvolver estratégias de enfrentamento eficazes para lidar com a ansiedade, o stresse e outras emoções que possam estar subjacentes ao comportamento viciante. Naturalmente, o envolvimento da família é importante para conscientização do problema e para dar suporte ao processo de recuperação. 

Contudo, sou da opinião que a hipnoterapia hipnoterapia é a técnica mais indicada e considero imbatível no controlo de comportamentos aditivos. Porquê? Porque o uso da hipnoterapia pode fornecer uma abordagem natural, individualizada e holística para o tratamento das personalidades aditivas, ajudando o paciente a retomar o controle sobre sua vida e a buscar um estilo de vida mais equilibrado e saudável. Importa dizer que a hipnoterapia combina estados especiais de transe com ferramentas da psicoterapia, permitindo que a pessoa hipnotizada esteja mais aberta a sugestões do hipnoterapeuta e, portanto, possa ter uma perspetiva diferente sobre seu comportamento viciante. O estado sugestionável conseguido pelo transe hipnótico profundo ajuda mais facilmente as pessoas a conectarem-se com seus sentimentos de poder e domínio pessoal, permitindo que desbloqueiem crenças limitantes, alterem padrões de comportamento rígidos e que antes pareciam inflexíveis e difíceis de mudar. Concluo dizendo que é realmente importante que o consulente esteja ciente do processo e seja conduzido por terapeutas experientes e certificados na técnica de hipnose clínica.

Alberto Lopes – neuropsicólogo/hipnoterapeuta

CEO da Clínica Dr. Alberto Lopes – Psicologia & Hipnose Clínica

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