- Ainda há muitos casais que permanecem juntos ainda que já não se sintam apaixonados, para corresponderem aos padrões da sociedade, ou isso começa a mudar?
Na verdade, as dinâmicas relacionais estão em plena transformação, ainda que persistam casamentos que se assemelham mais a contratos de conveniência do que a uniões movidas por amor genuíno. Muitos destes relacionamentos, sustentados por pressões familiares e sociais ou pelo temor da solidão, falham em buscar uma parceria equilibrada. Em vez disso, de forma inconsciente, procuram-se substitutos de figuras parentais, criando uma dinâmica de dependência que está fadada ao fracasso. Amar deveria ser uma jornada de conexão, não de dependência. Observa-se que os relacionamentos contemporâneos tendem a ser menos duradouros, em parte porque damos mais atenção aos nossos dispositivos eletrónicos do que aos nossos parceiros. A luta pelo amor parece ter perdido o seu valor, e a ideia de substituição tornou-se um caminho mais fácil do que o compromisso de reparar e fortalecer uma relação. Vivemos tempos em que encontrar alguém que deseje uma relação séria e comprometida parece ser excepcionalmente difícil; a tendência é procurar relacionamentos leves, sem compromisso, esquivando-se das responsabilidades que um lar compartilhado exige. Dados da Pordata, em 2022 estima-se que existam 50 divórcios por 100 casamentos. Se olharmos em retroperspetivas, em 1960, por exemplo, existiam 1,1%, de divórcios. (Fontes/Entidades: INE, INE | DGPJ/MJ, PORDATA: dados de 2023-09-27). Portanto, os datas são inequívocos, alguma coisa começa a mudar nos relacionamentos. Agora a pergunta que todos queremos fazer será esta: serão os casais mais felizes agora? Encoraja-se uma reflexão profunda sobre as próprias expectativas e comportamentos nas relações amorosas atuais, e o desafio será o de cultivar conexões mais significativas e duradouras, e para isso valorizar e respeitar o parceiro é essencial. Infelizmente, aquilo que mais observamos é que a busca por um relacionamento que se baseia na necessidade económica ou vemos que existe uma dinâmica em que ambos assumem papéis parentais, inclusive na forma como se dirigem um ao outro no dia a dia. Isto é uma bandeira vermelha, e um sinal de que o verdadeiro significado de um casamento baseado na parceria amorosa ainda não foi compreendido. Uma parceria amorosa verdadeira fundamenta-se na igualdade, onde ambos os parceiros têm o mesmo valor e importância. Isso implica também um equilíbrio entre o que se oferece e o que se recebe na relação. Reitero amor é sobre conexão não sobre dependência.
- É sempre uma bandeira vermelha quando a paixão dá lugar ao conforto? Essa estabilidade também não pode ser uma outra forma de intimidade na relação?
Não me parece que a transição da paixão ardente para o conforto e a estabilidade deva ser vista como uma bandeira vermelha numa relação. Aliás, essa evolução pode bem ser um indicador de maturidade e desenvolvimento entre os parceiros. Portanto, a transição da paixão para um amor mais maduro não só é natural como também aconselhável, servindo como um alicerce para relações duradouras e significativas.
Como detalho no meu mais recente livro, “Nem Sempre Faço Sexo, mas Todos os Dias Faço Amor” (Edições Moonlight), a psicologia e os avanços nas neurociências iluminam a química do amor, destacando as três fases do amor: a paixão, o amor passional e o amor companheiro. Esta progressão da fase da paixão para um amor mais maduro e estável é um processo natural e desejável para o fortalecimento da relação entre o casal. Convenhamos, a paixão, carregada de complexidade e um estado eufórico de semi-alucinação, traz consigo uma felicidade efêmera, impulsionada por neurotransmissores associados ao prazer. Estes neurotransmissores ativam circuitos no cérebro que são semelhantes aos estimulados pelo uso de drogas, criando uma experiência quase transcendental. Este período de atração intensa, tipicamente variando entre seis a dezoito meses, é marcado pela liberação de dopamina, oxitocina e endorfinas. No entanto, após esta fase inicial de euforia, migramos para uma fase de amor caracterizada por uma maior maturidade e consciência.
Nesse sentido, o arrefecimento da paixão até pode ser benéfico para a estabilidade do relacionamento, uma vez que dá lugar a um amor fundamentado na cumplicidade, no respeito mútuo e na partilha do quotidiano. Nesta fase, a intimidade transcende o mero desejo físico, apoiando-se também na admiração e no apoio mútuo face aos desafios. É vital reconhecer que as mudanças nos relacionamentos amorosos refletem uma busca por maior autenticidade e satisfação pessoal. Desafios como a dependência emocional, a distração tecnológica e a hesitação diante de compromissos mais profundos são reais. Contudo, ao compreender estas dinâmicas, abrimos caminho para relações mais saudáveis, equilibradas e profundamente amorosas.
- Apesar de não existir uma fórmula exata, como manter a chama acesa na relação?
Esta é a pergunta de “um milhão”. Como transformar a fase da paixão numa relação de amor maduro e companheiro? O dramaturgo e escritor brasileiro, Caio Fernando Abreu (1948-1996), referiu que a vida é feita de escolhas. “Primeiro fazemos as nossas escolhas, depois as nossas escolhas fazem-nos”. O amor maduro é, na verdade, uma escolha deliberada e um sublime estado de alma. Para manter a chama acesa na relação, é essencial compreender que não existe uma fórmula mágica, mas sim práticas e dinâmicas que podem fortalecer o vínculo entre o casal. Quando se encontra alguém com quem existe uma forte atração, com quem se partilha risos e momentos felizes, que se revela um companheiro exemplar, surge a fase do amor maduro. Agora, para se tornar num amor companheiro é algo que deve ser construído diariamente, mas vale sempre a pena. Um amor companheiro assemelha-se a um refúgio, a um ancoradouro em mares por vezes tempestuosos e que nos dará estabilidade emocional e sentido de pertença. Portanto, manter a chama acesa na relação envolve mais do que simples gestos românticos; requer a construção consciente de uma base sólida de amor, amizade, intimidade e projetos compartilhados, tudo isso firmemente apoiado pela comunicação eficaz. Para mim, estes são os pilares que, juntos, formam uma relação madura, estável e, acima de tudo, profundamente conectada. O meu conselho mais precioso: primeiro escolha a pessoa com quem quer passar o resto da sua vida com amor, e depois ame a sua escolha. Recorde que o amor companheiro é uma escolha, por isso, decida transformá-lo numa relação madura e duradoura.
- Pode partilhar algumas dicas práticas para que seja mais fácil de compreender?
No meu livro sobre relacionamentos, “Nem Sempre Faço Sexo, mas Todos os Dias Faço Amor”, edições Moonlight, abordo essa dinâmica através de uma analogia que denomino “a Cadeira do Amor”. Esta metáfora ilustra os elementos fundamentais para a construção de uma relação sólida e equilibrada. Ou seja, se quiser estabelecer um amor companheiro, num lugar de refúgio ou num ninho amoroso, deve seguir estas dicas. Vejamos em que consiste as 4 pernas da “cadeira do amor”:
1. Amor Consciente: A primeira perna da nossa “Cadeira do Amor” é, naturalmente, o amor. Esse sentimento profundo é o vínculo que atrai e mantém o casal unido, servindo como a base fundamental sobre a qual a relação se constrói.
2. Amizade e Cumplicidade: A segunda perna é formada pela amizade e cumplicidade. Estar ao lado do parceiro tanto nos momentos alegres quanto nos desafiantes, compartilhando risos, lágrimas e experiências, é essencial para a força do relacionamento.
3. Sexualidade: A terceira perna é a sexualidade. Não sejamos tímidos, a importância da intimidade física não deve ser subestimada, pois ela representa uma expressão vital da conexão e do amor entre o casal. O sexo, quando entrelaçado com amor, enriquece a relação, tornando-a mais satisfatória e plena.
4. Partilha e Projeto a Dois: A quarta perna envolve os sonhos e projetos compartilhados. Ter objetivos comuns e trabalhar juntos para realizá-los fortalece o compromisso mútuo e solidifica a parceria, seja na criação de uma família, na realização de viagens conjuntas ou na construção de projetos que reflitam os valores e aspirações do casal.
Finalmente, não esquecer que a base que sustenta estas pernas é uma Comunicação Afetiva e Efetiva: Um diálogo sincero e aberto é o alicerce que permite que todos esses elementos se mantenham firmes e coesos. A capacidade de expressar sentimentos, desejos e preocupações de maneira clara e respeitosa é crucial para a saúde e o desenvolvimento da relação.
- Vivemos numa época em que o sexo já não é visto como uma obrigação conjugal. Porém, é sabido que a componente sexual é necessária para nos mantermos ligados à pessoa que está ao nosso lado. Nesse sentido, como ultrapassar a falta de desejo?
Concordo que amor e sexo são fundamentais num relacionamento. Apraz-me recordar a aclamada cantora Rita Lee que dizia: “amor sem sexo é amizade”; “sexo sem amor é uma refeição sem sabor”. Ou seja, tenho para mim de que, o amor e o sexo são o tempero um do outro. Esta ideia sublinha a importância da intimidade para a saúde emocional do casal. Freud já destacava como se sentir amado fortalece uma pessoa, enfatizando que a realização sexual vem de se sentir valorizado por alguém. “O desejo sexual é uma força vital que nos impulsiona a buscar conexão e a intimidade com os outros.” (Sigmund Freud (1856 – 1939), “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”). Ora, essa conexão emocional é crucial, influenciando as nossas respostas emocionais e físicas e que inevitavelmente devem ser estimuladas com uma intimidade natural e consentida.
Nem sempre nos encontramos receptivos à sexualidade. O “stress”, por exemplo, pode enfraquecer tanto a resposta sexual como a capacidade imunitária dos parceiros. Frequentemente, a ansiedade está na origem de muitas disfunções sexuais, seja devido a um impacto mental significativo ou a uma fonte de angústia psicológica resultante, por exemplo, da perda de alguém próximo ou do início da maternidade. Estas situações afetam inevitavelmente a resposta física do indivíduo, influenciando a intimidade do casal. Contudo, a ausência de desejo sexual pode ser superada com diálogo aberto sobre preferências sexuais, apoio profissional e exploração de novas formas de intimidade, reforçando a importância de um ambiente de confiança. A sexualidade, especialmente no amor companheiro, é vital para manter a relação coesa.
Não quero terminar sem deixar um conselho prático, sugiro que o quarto seja um espaço reservado ao sono e à intimidade, livre de distrações – sobretudo digitais-, para fortalecer a ligação íntima do casal. Por outras palavras, o quarto do casal deve ser somente para dormir e para fazer sexo, ponto final. Podem-me agradecer depois!
Alberto Lopes (neuropsicólogo | Hipnoterapeuta)
Autor do livro: “Nem Sempre Faço Sexo, mas Todos os Dias Faço Amor” (2024), Edições Moonlight (http://www.moonlightedicoes.com/)