1. De acordo com a POCDF, cerca de 1 em cada 20 portugueses, ou seja, aproximadamente 540 000 pessoas — um número semelhante à população de Lisboa — vivem com Perturbação obsessivo‑compulsiva. Como caracteriza o panorama atual? A prevalência está a aumentar ou a diminuir?
A Associação POCDF apoia-se no Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, da NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas (Caldas de Almeida & Xavier, 2009), que indica que cerca de 5% da população portuguesa apresenta sintomas compatíveis com POC — o que equivale a mais de meio milhão de pessoas, um número comparável à população do município de Lisboa.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência ao longo da vida varia entre 1% e 3%globalmente, enquanto a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) aponta para valores até 4% em Portugal.
Estes números indicam uma prevalência relativamente estável, mas o número de diagnósticos tem vindo a crescer, sobretudo por haver mais informação, maior consciência pública e menos estigma social. Contudo, milhares continuam a viver esta perturbação em silêncio, sem diagnóstico, muitas vezes confundindo os seus sintomas com “manias” ou características da personalidade.
2. O que é a POC? Como carateriza a manifestação dos sintomas nas crianças, adolescentes e adultos?
A POC é uma perturbação mental que se caracteriza por obsessões (pensamentos persistentes, indesejados e geradores de ansiedade) e compulsões (comportamentos repetitivos usados para aliviar a tensão interna).
Nas crianças, os sintomas podem surgir de forma subtil: rituais repetitivos, medos irracionais ou comportamentos de controlo. Nos adolescentes, há frequentemente um esforço para esconder os sintomas, devido à vergonha ou medo de parecer “estranho”. Nos adultos, os sintomas tendem a estar mais enraizados, muitas vezes com impacto direto na vida profissional, familiar e social.
Em Portugal, os dados apontam para que 27,1% dos casos sejam graves, 47,5% moderados e 25,4% leves, revelando uma ampla variedade de impacto e necessidade de abordagem diferenciada.
3. Quais são os fatores de risco mais comuns que podem desencadear ou agravar a doença? Como distinguir a POC das preocupações diárias e de outros transtornos mentais?
A origem da POC é multifatorial: hereditariedade, alterações neuroquímicas e, sobretudo, experiências adversas na infância (EAI) — como negligência emocional, abuso, perda ou insegurança crónica.
A grande diferença entre uma preocupação normal e uma obsessão patológica está na intensidade, repetição e interferência funcional. Quando os pensamentos se tornam intrusivos, incontroláveis e incapacitantes, e os comportamentos passam a ser rituais obrigatórios para evitar uma “catástrofe” interna, estamos perante uma perturbação que exige atenção clínica.
4. Segundo um estudo da Universidade de Leipzig, pode demorar até 12 anos até que um indivíduo receba o diagnóstico preciso e tratamento para a POC. Quais são os fatores que contribuem para esta demora?
A demora no diagnóstico deve-se ao desconhecimento generalizado, ao estigma e à tendência para esconder os sintomas. Muitos confundem os sintomas com traços da sua personalidade ou acreditam que “sempre foram assim”. Além disso, nem todos os profissionais de saúde mental estão sensibilizados para os sinais menos evidentes da POC, o que pode prolongar o sofrimento do paciente durante anos.
5. A POC afeta significativamente a vida diária, causando angústia e interferindo nas atividades normais. Que tratamentos existem para reduzir os sintomas da doença?
Existem vários caminhos possíveis. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), com técnicas como a Exposição e Prevenção de Resposta (ERP), é considerada eficaz. Em muitos casos, é associada a tratamento farmacológico, com inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs).
Contudo, a minha experiência mostra que a hipnose clínica é uma ferramenta poderosíssima e muitas vezes subestimada. Ao permitir o acesso direto ao inconsciente, a hipnose ajuda a identificar e libertar os padrões emocionais profundosque sustentam o comportamento obsessivo-compulsivo — especialmente os que derivam de experiências traumáticas precoces. Além de ser uma terapia natural, não invasiva e transformadora, permite frequentemente reduzir ou dispensar o uso prolongado de psicofármacos, devolvendo à pessoa autonomia, liberdade emocional e reconexão com o seu verdadeiro eu.
6. O desinfetar as mãos e os gestos retidos compulsivamente agravaram-se na pandemia e em muitos casos ainda afetam a qualidade de vida, representando uma batalha contra o estigma. Como descreve a falta de responsabilidade coletiva?
Durante a pandemia, muitos comportamentos obsessivos foram normalizados — e até incentivados — como medidas de segurança. Este contexto criou uma espécie de “legitimação” social para rotinas de controlo, o que, para quem já sofria em silêncio com sintomas obsessivo-compulsivos, funcionou como um catalisador.
Faltou, claramente, uma consciência coletiva sobre os limites entre higiene saudável e compulsão patológica. E as consequências ainda se fazem sentir. É urgente que sociedade, media e profissionais de saúde unam forças para desestigmatizar a perturbação obsessiva-compulsiva, educar sobre saúde mental e, sobretudo, encorajar a procura precoce de ajuda.
Importa também referir que, apesar de o confinamento ter sido uma medida necessária, a experiência do isolamento afetou gravemente a saúde física e emocional de crianças e jovens, agravando sinais pré-existentes em muitos casos. O afastamento dos pares, a quebra da rotina escolar e o excesso de tempo passado em frente a ecrãs funcionaram como verdadeiros gatilhos emocionais.
É essencial compreender que o ser humano é, por natureza, um ser social, e que o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes depende da interação com os outros, da convivência, da empatia, da aprendizagem afetiva entre pares.
A pandemia trouxe um aumento visível de emoções intensas e desreguladas: raiva, tristeza, ansiedade, solidão. E a investigação é clara — quanto mais horas as crianças passam expostas aos ecrãs, maior o risco de sintomas ansiosos e depressivos. Temos de começar a falar de emoções com os mais novos, ensiná-los a reconhecê-las, nomeá-las e geri-las. Isso não só melhora a forma como usam a tecnologia, como fortalece a sua saúde mental.
As soluções para estes desafios podem não ser simples nem imediatas. Mas é possível — e necessário — trabalhar a literacia emocional desde cedo, para que os jovens aprendam a viver no mundo de hoje sem se perderem dentro de si próprios.
7. Com base na sua experiência clínica, que conselhos ou orientações práticas deixaria a quem vive com POC ou conhece alguém com esta perturbação? Que papel pode ter a hipnose clínica nesse processo de tratamento?
Particularmente no caso de uma síndrome tão impactante na qualidade de vida como a POC, gostaria de encerrar esta entrevista com um convite à ação. É fundamental que estejamos mais atentos — como indivíduos, como pais, como educadores, como sociedade — aos sinais silenciosos da Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC). Quanto mais cedo forem reconhecidos os sintomas, mais eficaz será o tratamento e menor será o sofrimento envolvido. Neste sentido, deixo um plano de ação simples, direto e prático, que pode fazer a diferença na vida de quem vive com esta perturbação — muitas vezes incompreendida, mas plenamente tratável.
8. Plano de Ação para Identificar e Apoiar Quem Vive com POC
- Observe com atenção os sinais
Preocupações obsessivas, pensamentos invasivos, rituais repetitivos, necessidade de controlo exagerado, medos irracionais ou dificuldade em lidar com a incerteza são sinais de alerta. Se interferem com a vida diária, devem ser levados a sério. - Não banalize nem julgue
Frases como “isso é só mania” ou “és muito perfeccionista” podem aumentar o isolamento. Em vez disso, ofereça escuta, empatia e validação. Dizer “estou aqui para ti” pode ser o primeiro passo para a mudança. - Procure apoio especializado
Psicólogos, psiquiatras e hipnoterapeutas clínicos são os profissionais adequados para avaliar e acompanhar casos de POC. Um diagnóstico precoce pode evitar anos de sofrimento silencioso. - Considere a Hipnose Clínica como opção terapêutica
A hipnose clínica é uma técnica natural, segura e profundamente eficaz, que atua na raiz do problema, libertando padrões emocionais repetitivos, medos inconscientes e traumas do passado. Ao contrário dos psicofármacos, que muitas vezes apenas “adormecem” os sintomas, a hipnose promove uma verdadeira transformação interna — de dentro para fora. - Promova a literacia emocional em casa e na escola
Ensinar crianças e adolescentes a falar das suas emoções, a reconhecer os seus pensamentos e a desenvolver empatia é uma das maiores formas de prevenção em saúde mental. - Fale abertamente sobre saúde mental
Quanto mais natural for falar de ansiedade, compulsões ou sofrimento psicológico, menos espaço haverá para a vergonha. A saúde mental é parte integral da saúde global — e merece ser tratada com respeito, atenção e coragem.
Porque nenhuma mente deve viver em prisão, e porque há sempre saída quando há consciência, apoio e tratamento certo. E a hipnose clínica, com a sua abordagem integradora e transformadora, é um caminho real e promissor para essa libertação.
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Dr. Alberto Lopes
Neuropsicólogo e Hipnoterapeuta das Clinicas Dr. Alberto Lopes Aveiro|Porto|Lisboa